A Fístula Anal Real que mudou a cara da medicina

Ao longo da história, diversas figuras, do imperador romano Calígula ao cardeal Richelieu, passando por Ivan, o Terrível, e o compositor Schubert, sofreram de um problema que até hoje afeta grande parte da população mundial: hemorroidas.

Hemorroidas são veias dilatadas e salientes na região anal. Podem ser internas ou externas, normalmente acompanhadas de dor e coceira.

Algumas dessas figuras, inclusive, padeceram de outro mal, ainda mais doloroso: fístulas anais – canais ou ligações anormais que surgem entre o ânus e o reto, normalmente causadas por um abcesso ou outras doenças.

Mas se hoje a cirurgia é uma opção para resolver o desconforto causado por essas duas condições, nem sempre foi assim.

João de Áustria, irmão do rei espanhol Felipe 2º e herói da batalha de Lepanto, morreu de hemorragia após uma fracassada operação para a retirada de hemorroidas.

Uma fístula que os cirurgiões da época não conseguiram curar levou Henrique 5º da Inglaterra a óbito.

E há até quem atribua a derrota de Napoleão Bonaparte na famosa batalha de Waterloo às hemorroidas de que ele sofria.

Em 1686, entretanto, ocorreu um acontecimento que mudou para sempre o destino das pessoas que padeciam desses problemas, além de contribuir significativamente para dignificar o trabalho dos cirurgiões, que até então não usufruíam de muito respeito.


Em janeiro de 1685, o “traseiro” de Luiz XIV ganhou destaque quando os médicos responsáveis por sua saúde notaram um leve inchaço na região anal. Em 18 de fevereiro, um abscesso se formou e, em 2 de maio, a situação do rei da França piorou: uma desagradável e dolorida fístula apareceu.

Claro, todo tipo de solução típica da época foi tentado, mas sangrias, loções, compressões e enemas não surtiram efeito. O rei já não podia cavalgar nem mesmo se sentar em seu trono ou em qualquer outro lugar sem sentir dor.

Além da fístula, Luiz XIV ainda tinha que lidar com a higiene, ou melhor, com a falta dela. Na época, os cuidados pessoais nesse sentido eram quase inexistentes. Até a Igreja era contra tomar banho, já que, segundo ela, a prática poderia causar doenças, induzir ao sexo promíscuo e levar à imoralidade.


Charles-François Félix (Fonte: Wikipedia/ Reprodução)

Prelúdio da operação

A princípio, nenhum cirurgião quis se arriscar colocando as mãos no popular Rei Sol sem antes ter treinado, mas a operação acabou sendo planejada e foram poucas as pessoas, fora os médicos do rei, que sabiam dela.

O responsável escolhido para a proeza foi o cirurgião-chefe do rei, Claude François Félix de Tassy, que nunca tinha feito algo do tipo, mas acabou ganhando a permissão para experimentar/treinar.

A principal preocupação de Charles era com o instrumento. Após suas pesquisas, ele desenvolveu um dispositivo que chamou de “bisturi real” (le bistouri royal). Tratava-se de uma longa e curva ferramenta de prata, agora em exibição no Museu de História da Medicina em Paris.


Bisturi criado por Charles. (Fonte: Twitter/Catéter Doble Jota/ Reprodução)

A operação levou três horas para ser concluída e foi bem documentada. Pelo sucesso, Monsieur Félix ganhou títulos, terras e dinheiro. Se deu muito bem e nunca mais pegou no famoso bisturi real.

Devido ao êxito obtido com o tratamento cirúrgico da fístula do rei, as operações passaram ser vistas com grande respeito pelos franceses. Naquela época, os médicos eram muito respeitados, porém a prática cirúrgica era vista com maus olhos.

Além disso, ajudou a impulsionar estudos sobre cirurgias e a Medicina em geral, tanto que médicos de outros países quiseram aprender com os médicos da França. Para se ter ideia de como as operações passaram a ser respeitadas, basta saber que Luiz XV, neto do rei, abriu a Academia Real de Cirurgia, atualmente conhecida como Academia Nacional de Cirurgia.

Fontes: Terra BBC MegaCurioso
Fontes Imagens: Twitter/Catéter Doble Jota/ Reprodução, Wikipedia/Reprodução

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